Pauliceia Bandeirante ou A Fabricação do Pré-Modernismo
Jean Pierre Chauvin
Resumo: Transcorrido mais de um século desde a Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, financiada pelo capital do grande latifúndio, o Modernismo paulista continua a ser saudado, ora como movimento cultural amplo e combativo, efetivado com relativo bom-humor por jornalistas, escritores e artistas; ora como uma série de episódios disruptivos que evidenciariam sérias divergências entre seus membros e interlocutores. Ao longo do século XX, parte da historiografia literária brasileira não só elegeu o período de 1922 a 1930 como ponto alto da renovação estética e ideológica nacional: criou conceitos imprecisos, na tentativa de recobrir e enfeixar a produção anterior ao tablado estelar, dirigido por Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. Imobilizados sob o rótulo de "Pré-Modernistas", Monteiro Lobato, Graça Aranha, Euclides da Cunha, João do Rio, Emílio Menezes e Juó Bananére passaram a servir de trampolim para o primeiro lugar no pódio, supostamente ocupado pelos que viriam depois. Neste ensaio, Jean Pierre Chauvin revisita as origens do termo Pré-Modernismo, procurando compreender os pressupostos subjacentes à concepção positivista e redutora que ainda vigora em materiais didáticos a circular no ensino básico e superior. Evitando recair no mero biografismo e em análises pautadas por impressões pessoais, Chauvin questiona a persistência de certo ufanismo nacionalista que continua a atravessar os manuais sobre literatura brasileira. Ao proceder desse modo, demonstra como determinados estudiosos replicam, ainda hoje, uma concepção teológica da literatura. Ao fazê-lo, propõe que sejam revistos conceitos tais como evolução, progresso e modernidade. A leitura de Pauliceia Bandeirante sugere que as formas derivadas da sátira não eram inferiores às obras supostamente sérias, embora parte dos protagonistas do movimento confundissem humor com obra pueril, de mau-gosto ou de menor qualidade, desprezando o fato de que a comicidade não significa imaturidade, falta de talento ou aptidão literária, mas capacidade de ridicularizar (in)decorosamente a imponência de fachada, a pompa dos sujeitos graves e a pretensa gravidade atribuída à chamada alta literatura.